domingo, 8 de setembro de 2013

O autor e as feiras do livro, por Joaquim Moncks

O AUTOR E AS FEIRAS DO LIVRO

Joaquim Moncks

Estive pensando, pela primeira vez com mais densidade, sobre as questões decorrentes das chamadas Feiras do Livro, que ocorrem no RS faz cerca de cinqüenta e seis anos, tendo por base a antiguidade da Feira de Porto Alegre.

Construo o raciocínio a partir de longa experiência de 37 anos da publicação do primeiro livro, e de 33 anos de afiliação ao associativismo poético e de permanente atuação durante todo este tempo.

Estamos tão acostumados em ter uma ótica de ajudar aos companheiros a fazerem ativismo cultural em suas cidades, que deixamos de nos afirmar na questão profissional como escritor. Acabamos sendo os bobos-da-corte (tal como ocorria na Idade Média nas vilas, condados e baronatos, alegrando as cortes e a plebe) e deixamos de ver o lado profissional.

A Casa do Poeta Brasileiro, na visão do fundador Nelson Fachinelli, tem este vício de origem, que é originário e decorrente da raiz da oligarquia rural trazido às cidades. Tal como as filhas dos charqueadores exercitavam a benemerência, ao fazerem as tarefas educacionais junto às classes pobres, a partir do século XIX, no RS. Ressalte-se que a prevalência da rede escolar privada é da década de 50 do século XX.

Escreve-se, ainda hoje, no plano psicológico – além de atender a ânsia de comunicação pessoal – para ratificar a diferença de classes, mesmo que isto não esteja lucidamente em nossas cabeças.

São poucos os cidadãos que têm acesso à cultura, nas comunidades de vertente rural. Famílias que vivem na abastança e dispõem de bibliotecas familiares. A Poesia sempre foi, no RS, dos domínios da oligarquia dos campos (que se estendeu às cidades), e esteve, historicamente, nos estritos domínios dos clubes sociais e seus departamentos literários.

As Casas do Poeta, organizações não governamentais, nasceram na intenção de democratizar o conhecimento, primordialmente, em Poesia. É a materialização do associativismo proletário. Hoje, chegamos aos 46 anos de existência, a partir da Casa do Poeta Rio-Grandense, a CAPORI, fundada em 1964. Curiosamente, no ano em que o país mergulhava na ditadura militar.

E entendo absolutamente necessário que se faça esta reflexão contextual, tendo o autor e o seu produto – o livro – como motes de discussão.

Escreve-se, em prosa e verso, para fortalecer o prestígio e o acervo pessoal em comunidade. É o consectário histórico da benemerência para com os excluídos. Porém é na Poesia que este diferencial é mais palpável. A classe dominante faz arte porque se pretende diferente dos agentes do proletariado. Registra a sua visão de beleza estética, e não porque se queira sobreviver com o trabalho intelectual, na sua materialização negocial na venda dos livros. Quando muito, espera-se o possível pagamento dos custos da obra publicada.

Talvez alguns cifrões para editar nova obra em esforço individual. Isto seria o ideal para todo o autor, que teria, no mínimo, a contraprestação para as suas longas horas de dedicação e estudo. Do nada nasce o nada: sem leitura anterior, não há como escrever algo que preste. E isto custa muito dinheiro e esforço pessoal, a par do prazer que o verdadeiro intelectual curte.

Tanto é que os editores dizem que poesia não vende. E os autores não cobram esforços deles no sentido de fomento à venda dos livros. Não se cobra, também, dos organismos governamentais organizadores de Feiras do Livro, dinamismo no sentido de trazer público aos eventos.  

Os departamentos de cultura, bibliotecas e departamentos, os quais funcionam junto às secretarias municipais de Educação e Cultura, entendem que basta colocar a organização da feira do livro à disposição dos editores e autores.  

E os autores locais têm de fazer tudo, desde os convites para os autógrafos. Como sempre, alguns idealistas e diretores de escolas, por visão altruísta, divulgam e incentivam o evento nas salas de aula, buscando que os seus alunos se viciem em leitura.

Os organismos governamentais promotores das Feiras do Livro gastam suas verbas com o pagamento das despesas dos editores e livreiros de outras cidades, principalmente os provenientes da capital do Estado. Os dirigentes, normalmente, colocam à sua disposição, hospedagem e alimentação, e, noutros eventos deste tipo, até o transporte do acervo de livros que vai para as bancas das feiras. 

Tudo é lucro para os expositores, que cobram dos autores de 30 a 50% do valor do preço de capa. 

E quem paga esta exorbitante percentagem é o autor da obra que vai ser autografada. Isto se o autor não for famoso e credenciado como bom vendedor de livros. Estes já receberam direitos autorais de seus editores, que, pela lei, corresponde a 10% do peço de capa da obra. E normalmente são quitados por antecipação, à hora do contrato entre autor e editor.

Fazemos a festa: a cidade vive um momento incomum. Com o dinheiro do contribuinte local, pagamos a conta. E enchemos as burras dos editores de fora da urbe promotora. Felizmente, depois da Feira, fica na cidade uma aura de que o poder público cumpriu a sua parte. E os parcos exemplares vendidos circulam na cabeça dos que tiveram poder aquisitivo para comprar as obras expostas nas Feiras do Livro.

Normalmente, obras lançadas nas Feiras locais não chegam ao acervo das escolas estaduais e municipais existentes nos municípios. É como se não houvessem sido lançadas no peculiar evento do Livro.

Enquanto isso, os autores de obras em prosa e verso, mormente os criadores de arte poética voltam pra casa mais pobres, depois de pagar transporte, hospedagem e alimentação, porque nunca sobra dinheiro dos cofres públicos para fomentar a ação dos artistas principais nos eventos em que se promove o livro, e se tenta pretender que o Brasil leia mais do que a média atual: 3,8 livros/ habitante/ ano.

Por certo, um dia, quando o país adquirir maioridade intelectual, o autor possa vir a ser o centro da festa em que ele é o operário em construção.

Ave, Vinicius de Moraes, poeta de visão proletária!

 – Do livro O HÁLITO DAS PALAVRAS, 2008/2009.

Um comentário:

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